sábado, 29 de outubro de 2011

Camisa de Força





...E ele não parava de repetir: 'A mente nos liberta, a mente nos liberta'...
Era tudo o que ele dizia, vivendo no seu próprio universo, vivendo no seu próprio mundo, na sua própria dimensão, um sujeito presunçoso, genial, e segundo a grande e patética camada considerada normal pela sociedade...um louco.
Este foi Karamá. Apenas Karamá, não se sabe de onde veio, não se sabe para onde foi. Alguns dizem que pretendia levar uma vida de alquimista, seguindo um estilo peripatético dentro de si, outros dizem que tivera uma vida complexa, árdua, feliz e no fim, danosa, e os mais comuns e patéticos o citam como um louco, apenas um louco.
Karamá desenhava, Karamá escrevia, Karamá só dizia o que citei anteriormente.


Dentro daquele hospício, todos tinham muito medo de Karamá, até os outros loucos. Isso talvez pelo estado translúcido em que Karamá ficava quase o tempo todo. Ele escrevia coisas belíssimas, em outras palavras era um verdadeiro artista, o artista mais puro, o artista mais presente, o típico artista de verdade, aquele que sofre pelo o que é, aquele que se eleva para a dimensão que realmente quer, aquele que depende de desgraças para existir.
Karamá não queria seu dinheiro, nem sua vida. Ele só precisava de alguns lápis, e papel, muito papel.


'Afinal quem é este homem?'...todos perguntavam. Realmente não se sabe. Só se sabe que Karamá foi encontrado próximo a um riacho, desenhando coisas na terra...e se cortando.
Depois de muita observação Karamá foi posto naquele lugar horrível, onde tudo o que de mais horripilante acontecia. Ele era diferenciado, não um louco comum, mas um insano, que usava isto para expressar tudo o que se passava naquela mente, aparentemente perturbada e imensa.


Ele tinha seu próprio universo, isso era incontestável, um universo extremamente restrito e secreto. Ele desenhava muitas coisas, coisas desconexas, coisas intrigantes, e coisas magníficas. Não tinha medo de se expressar, e muitas vezes, por essa falta de medo, era castigado, posto numa camisa de força e jogado num quarto escuro, sozinho.


Depois de muitas vezes castigado, Karamá escreve a frase mais brilhante que alguém já leu...
'P´ra que esta camisa de força? Se aqui já me reprimem de todas as formas possíveis? e Por quê não ver o mundo como uma grande camisa de força, uma vez que a repressão e a castração cognitiva é cada vez maior? Mas não vou me desperdiçar me embrutecendo com isso, minha mente eles não tirarão...". Os funcionários do hospício ao lerem isso ficaram furiosos com Karamá, e esta frase, assim, foi parar nas mãos do presidente daquele local, e este furioso deu ordens para que Karamá fosse executado.


Karamá, de um modo estranho e inexplicável, pressentiu sua morte, e pressentiu também que tinha um prazo de 2 dias. Logo, este não parou de escrever. Diariamente este era espancado, judiado, reprimido, assim como todos que pensam. E após as surras, sempre escrevia, não desperdiçou um minuto sequer desses dois dias. 
Em frangalhos, com mais algumas horas de vida, este termina seu objetivo...aparentemente várias folhas bem velhas, guardanapos, papel higiênico, enfim...tudo isso junto, uma vez que seus papeis foram retirados à força, mas ele tinha um pequeno estoque em um pequeno esconderijo, onde as 'hienas' não iriam fuçar. Este monte de folhas tinha um título e uma capa. Não era necessário ser nenhum Sherlock para sacar que aquilo era um livro, e as palavras citadas na capa eram "Camisa de Força". 
Karamá não consegue nem mais ficar em pé, e repete mais e mais a cada golpe a frase 'A mente nos liberta!'. 


Ao bater do sino, Karamá sente que sua morte está por vir, chegam muitas pessoas, todos os curiosos, todas as hienas, todos os porcos imundos da sociedade, para assim terem um pouco de 'entretenimento', e para ocuparem suas vidas vazias e nojentas. 


Karamá é julgado, em um júri patético, dentro do hospício, e lá é acusado. Todos aplaudem, riem, festejam, e se esbaldam com bebidas baratas.


Ao ir para a forca, Karamá pronuncia as suas últimas palavras:
"Eu sinto muito pela humanidade, eu sinto muito pelo mundo, eu sinto muito por essa dimensão, meus caros. Todos vocês não passam de hienas, que se contentam com o sangue do próximo derramado. Todos vocês, ditos cristãos, não passam de meros hipócritas, e ainda por cima reprimidos, reprimidos por pessoas mais inteligentes do que vocês, que os colocam em uma camisa de força, impedindo vocês até de pensar, os enganando com uma falsa felicidade...rica em vícios e excessos. Muito obrigado por tudo, mas principalmente, muito obrigado por me mostrarem que o verdadeiro caminho da felicidade é aquele de não ser uma pessoa igual a vocês! Eu estive em uma camisa de força quase por 5 anos seguidos, e vejo que tenho mais liberdade do que todos vocês juntos. Qual a diferença de viver em uma camisa de força, e viver da forma que vocês vivem? A mente nos liberta!"


Após esse discurso, todos se chocaram, finalmente Karamá falara algo que não fosse a frase citada primeiramente. Por fim, furioso, o presidente do hospício ordena que o apoio onde Karamá estava em cima fosse quebrado, e assim, Karamá falece.


O livro de Karamá foi encontrado, algum tempo depois, por um dos funcionários que o surrou. Este funcionário, por sinal, leu o livro...e se matou em seguida. Todos que leram esse livro vieram a se matar, dizimando assim um local podre, onde havia ditadura.


O objetivo de Karamá não era um suicídio em massa, mas...as pessoas que tiveram acesso ao livro eram tão podres, e o livro tão profundo, que ninguém resistiu a tais palavras.




"Você se fecha na tua maldade, se nutrindo do sangue do inocente. Te impedem de pensar, de agir, de falar...Você se impede involuntariamente, você vai se matando aos poucos, se fechando dentro da sua própria podridão. Agradeço por não estar mais aqui quando este livro chegar às mãos de alguém, e agradeço mais ainda pelo livro ter chegado às mãos de alguém."


Karamá





Por fim, nunca se soube quem foi este homem, porém, atualmente, este homem é citado muitas e muitas vezes em debates por liberdade, e respeitado por todos, até pelos hipócritas que nos põem diariamente em uma camisa de força, e claro por aqueles que as vestem.


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Exceção

Um cigarro atrás do outro...
Ele sente sua vida se esvaindo lentamente, assim como a sua alma...
Ele olha para o nada, ele vai até a janela, onde bafora outro cigarro, e olha para o céu, o céu não é azul, e sim cinza, e isso o convida para voar, para se realizar, para abraçar sua própria depressão, e assim ter os seus últimos minutos de alegria, com a doce ilusão de estar com aquela que ele amou.
Ele volta, olha a foto da mesma, e sente um vazio, um grande vazio, um vazio cheio, um vazio completo. Ele só quer sua vida de volta, mas nessa trama deprimente ele vê que a falta da felicidade é a sua maior felicidade, aquele vazio, aquele frio, aquela ausência de cores.
Fumando outro cigarro, ele escreve várias vezes no seu caderno preto: "P´ra que viver se viver é danoso?"
Ele chora, ele se esvai em lágrimas, lágrimas sangrentas, lágrimas negras, simplesmente lágrimas, lágrimas cheias de sentimento, cheias de ferimento.
Já é noite, e ele vê que sua vida nada mais é do que uma danosa perda de tempo.
Ele se cobre...cobre com uma maquiagem preta e branca, fazendo assim transparecer aquilo que todo homem tem vergonha de deixar à mostra...SEU MARTÍRIO, SUA DEPRESSÃO, SEU FARDO DE BELEZA NA TRISTEZA. Isso sim é admitir-se, deixar-se, fazer-se.
Ao sair ele deixa um bilhete aos poucos que talvez se importem com ele daqui a um tempo contendo: "Se eu não voltar, o culpado foi o amor, e a minha vazia susceptibilidade."


Encontra-se no cemitério, neste momento, vendo os túmulos, que são, por sinal, belos mausoléus, e algumas cruzes simples. Afinal, tanto faz...é uma bela homenagem, deixa estar, o cemitério lhe traz uma sobrevida, e isso é irônico, e aos olhos moralistas e hipócritas...DANOSO.
Ele não se importa, ele se quer, ele quer aquela que o abandonou, um paradoxo interessante, um sonho, "por que tudo é tão platônico e impossível?", ele se pergunta?
Ele chega ao túmulo de sua amada, e começa a fazer uma serenata para a mesma, encenando o verdadeiro alarde que vive, sua encenação é real, e nisso os verdadeiros artistas são comprovadamente verdadeiros, em dar vida à sua própria dor, talvez assim ele alivie o que sente no seu peito machucado.
Ele a quer, ele não a tem.


Ele percebe que é a hora de vê-lo como seu próprio melhor amigo..
Mas é impossível que em tão perfeito complemento não hajam também seus lados negativos..
Ele se tornara seu melhor amigo e seu pior inimigo, um paradoxo interessante, um oxímoro, afinal ele se conhece como ninguém, e percebe que dentro de si existem universos terríveis e admiráveis.
Ele...mais do que ninguém, sente suas maiores falhas e virtudes, se torna vários personagens, porém sempre caindo no mesmo ponto de fuga.
Um homem sem rosto, que almeja estar com quem amou, e vê como seu destino é penoso.
"É incrível o complemento que o auto-conhecimento traça"...ele pensa, "um complemento doloroso e eufórico ao mesmo tempo". Sua existência, pensa ele, é um oxímoro mais do que completo, variando entre euforia e depressão, e sua euforia vagueia pela depressão, e sua depressão pela euforia, e ele se vê como um ser completo, e lesivo...PRINCIPALMENTE LESIVO.
Logo, o ser completo é como o amor, intenso, magnífico, eufórico e danoso, ele não aguenta mais...ser tão susceptível, tão sensível..
"EU NÃO SOU DAQUI, EU NÃO SOU DAQUI", ele repete inúmeras vezes, um mundo porco e irreal. Do que adianta se sentir completo, sabendo que a própria terra que você pisa é um ninho de cobiça?


Andando pelo cemitério, sem rumo, ele não aguenta mais ser o grande oxímoro, a grande excessão, e almeja seu grande fim.
Sentado ao lado do túmulo de sua amada, novamente, ele escreve cartas para ela, ele quer a encontrar, mas sua missão é ingrata, um grande oxímoro solto num mundo cheio de paradoxos...
"Eu não vou fracassar, e viver em um mundo contraditório!"
"Eu farei como você fez, meu amor!"


Abrindo o vinho, ele bebe, e em seguida corta seus pulsos, esperando seu grande momento. O grande oxímoro nunca viveu.


O grande oxímoro...nunca viverá.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Caos



Eu danço ao som do caos, uma dança própria, desconexa, altamente sensitiva, sentido subjetivo, claro, explícito, e ao mesmo tempo obscuro e completamente sem sentido. O paradoxo de uma vida contraditória me tenta, seria o niilismo, o nada, me fazendo dono da minha própria confusão, do meu próprio caos. O caos está aqui dentro, o maior e pior caos que se possa imaginar, as sequelas são profundas, talvez uma sequela boa, uma vez que aquilo que nos atormenta, depois de um tempo talvez nos faça mais fortes, talvez. Luta por concentração, tudo me tenta, o que está acerca me desanima, o que está dentro me excita, uma luta contra tudo e contra todos, uma guerra particular e interna. Como sair p´ra outra dimensão?
Talvez aquela dimensão onde exista o encontro comigo mesmo, dançar com o caos, ao som do caos, de cada suspiro arrancar um soco, de cada vento arrancar o fim do mundo. Terremotos, enxaquecas, dores...TUDO...é, não dá p´ra se concentrar...
Continuando...
Uma rota de fuga, fazer uma rota de fuga dentro de si mesmo, mas infelizmente essa rota de fuga sempre nos encaminha para caminhos de mais dor, é um pseudo-escape, mais do que nunca niilista, patético..
É desagradável saber que sua fonte de felicidade é limitada, e já se esgotou há anos..
O que resta no final, é o que você realmente é... e não as carícias que você recebia por balas e afins..
Não faz muito sentido não é mesmo?
É o que a confusão causa, cara...um tudo e um nada como um potencial de ação, tudo ao mesmo tempo, um verdadeiro soco, um baque, aquilo que te possui, te faz delirar, talvez sua única fonte de felicidade que não seja limitada, talvez a escrita..
Não se sabe..
Minha heroína é a música, e minha escrita, realmente me sinto possuído escrevendo isso. Sem baboseiras religiosas, mas me sinto incrivelmente bem quando vomito tudo aqui, um canteiro de bizarrices, onde eu sou o protagonista, coadjuvante e figurante. Realmente é um êxtase você não se importar se faz sentido, mas saber que existe. Que está aqui, aqui dentro, e lá vamos nós...rs
O infinito fica acerca do caos, perceba quando você fixa seu olhar no espelho, é um ciclo infinito, sabe?
Você reflete, e se torna o refletor, é uma corrida em círculos talvez, e isso resume um universo. E qual a diferença do universo que estamos para o universo do reflexo?
Uma corrida em círculos, uma maldita cela. Eu dou as costas ao plano divino. Viver o clichê não permito! Viver como um alquimista talvez me satisfaria, porém, viver dessa forma nos dias de hoje, me dá medo. A realidade humana me dá nojo, me desanima, é realmente terrível ter essa susceptibilidade, essa fraqueza, de querer ser o que você é, porém não poder ser, devido tudo que está acerca.
Tiram nossa vida na cara dura, não nos permitem dançar com nós mesmos, tudo o que corre hoje é o capitalismo, e pode acreditar, este último é o pior inimigo da bela arte. Ninguém mais praticamente faz o que realmente quer, pois o que realmente importa são os prazeres passageiros e mais suscetíveis. Nada mais importa que não seja os prazeres fúteis, e aí vamos à ideia correta de que o humano que abre mão destes prazeres é um humano inatingível.
Camisa de força é o que me envolve, a carne me faz...nos faz assim, VERDADEIRAS HIENAS.


Talvez a música e a escrita sejam as únicas fontes de reais prazeres, é uma experiência comum a mim...e cito isso porque faz todo o sentido. Talvez a única coisa que realmente faça sentido. O caos se torna um elemento primordial para que eu possa ainda assim vomitar tudo aqui, de forma própria e benéfica, não sei se p´ra você fez algum sentido, mas diminuiu 2% da minha agonia.