O que se esperar de uma quinta à tarde?
Lhes confesso que a falta de expectativa tomara grande parte do meu tempo subjetivo, mas, sempre existem exceções, e esta tarde de quinta me mostrou que mesmo dentre a falta de expectativa ainda pode haver esperança, e por que não?
Por onde começar, meus caros?
Tudo começa há muito tempo atrás, onde tive a honra de conhecer um grande homem, um amigo, e até um mentor.
Ele acompanhou boa parte da minha adolescência, e antes do ocorrido em que focamos, já tivemos grandes conversas (nada comparativas a esta última, mas já tivemos acesso a nossos pensamentos anteriormente).
Enfim, ele tinha contato comigo, com minha ideias, com minhas atitudes, e com minhas dificuldades, sejam elas da forma que fossem, porém, nada podia fazer em questão de aspectos que o impedia, mas isso não vem ao caso. Dentre outras coisas, ele acompanhou minha evolução, como ele disse, ou meu regresso, aí vai da interpretação do leitor.
Este amigo, um homem muito inteligente, que tinha grandes conhecimentos, úteis conhecimentos, ABENÇOADOS CONHECIMENTOS.
Não o via há um bom tempo, a rotina nos distanciou, mas eu não poderia deixar uma relação tão bela morrer, seria um tanto quanto displicente da minha parte, até para comigo mesmo.
A IDEIA DE RESTABELECER CONTATO
Estava eu, procurando algo na televisão, e volta e meia sempre dava uma espiada no canal Prime Box Brazil, passam bons filmes nacionais lá, e tenho andado com um interesse muito forte por filmes nacionais, e entre diversos filmes que já vi, tinha visto um pela metade chamado "Corpo", com o Leonardo Medeiros (um dos mais fantásticos atores na minha opinião), e me chamou muito a atenção. Infelizmente, a primeira vez que vi, só vi da metade p´ra frente, e não entendi muito bem. Porém, eu vi ele inteiro outro dia, e sinceramente...Foi um dos melhores filmes que já vi, não só nacionais, mas como um todo.
O filme se passa em um necrotério, cujo doutor Artur Teller (Leonardo Medeiros) é um dos funcionários, e chega um corpo de uma mulher, extremamente conservado, para ele analisar, detalhes, história, identidade. A questão é, a mulher morreu há uns 30 anos atrás, em tempos de ditadura, e o filme nos mostra com cortes de cena resquícios da vida da personagem, que era uma militante, e paremos por aqui, não darei spoiler, rs.
Bem, isso despertou um grande interesse da minha parte pela época da ditadura. Eu já tinha um interesse muito forte, mas nada havia me despertado para isso tanto quanto este filme. E quem me veio na cabeça?! O meu caro amigo, que em sua mocidade havia sido hippie, tendo educação marxista, um verdadeiro paradoxo aparente, mas, acredite, no final tudo fará sentido. Ele conviveu durante aquela época, e podia, mais do que ninguém me orientar, me informar, e me dizer tudo o que sabe sobre aquele período. Mas, algo no meu subconsciente me avisava que, esta conversa teria muito mais sentido do que simples informações sobre a ditadura, e com isso, eu já estava levemente preparado, repare no levemente, levemente, levemente, levemente (sinta o eco na sua mente).
O CONTATO
Tento contato algumas vezes, eu não tinha o número certo, isso me frustra! E, como veremos adiante, a paranoia tocando na minha cabeça: "ele não quer te receber, ele nem sabe que você existe", isso me apurrinhando do começo ao fim, mas algo mais forte dentro da minha mente tensa dava uma luz sobre isso, e mantinha meu interesse, minha força e minha vontade de correr atrás.
No dia seguinte, com o número correto desta vez, consigo contato com ele, e lhe informo sobre meus planos, sobre meus interesses, e ele prontamente se dispõe a me receber, me informando quando estará disponível, e eu verifico quando poderei ir, sem marcar exatamente o dia.
ENCONTROS E DESENCONTROS
Eis que surge o amanhecer do que seria mais um dia normal e entediante. A quinta-feira amanhece de forma fria, mas com um tempo firme, típica manhã de Outono paulistana.
Sigo minha rotina normal, vou à faculdade, entre orações, sono, risadas e lanches.
Saio da faculdade em torno de 11 horas da manhã, um dia que parecia ser um tanto quanto letárgico. No caminho p´ra casa me vem a ideia hipotética de talvez ir na casa do meu amigo, e fico pensando e cismando nessa ideia, o caminho todo, e sinceramente, gosto de atos que não dependem de planificações.
Decido, irei à casa dele.
Mas, onde é mesmo a casa dele?!
Rua x, número x, onde?!
Ligo p´ra ele, enchendo o saco, perguntando onde é, ele me explica, e eu, dignamente consegui a proeza de me perder no meu próprio bairro, hahaha.
Até que, indo em sentido oposto encontro meu anjo da guarda eterno, minha divina, minha mãe, e ela me leva à casa do personagem real, real personagem, que alterará os rumos desse dia, dessa história, dos meus pensamentos, e da minha
O ENCONTRO, A RECEPÇÃO E A CONVERSA
Chegando à casa dele, sou muito bem recebido, adentro sua residência, e chego ao seu escritório, típico escritório de contador! Até clássico eu diria, SAUDOSISMO, SANTO SAUDOSISMO! Nostalgia, personificação daquilo que não viveu e uma luta por passados mais distantes.
Começamos a conversar, tendo como base café e cigarros, a base dos campeões, hahaha!
Começo agradecendo por ter me recebido, e assim tudo se inicia.
Como melhorar o país?
Eis o dilema, talvez a grande base de toda e qualquer grande conversa.
Melhorando a família.
Este é o argumento do nosso amigo, citando a família como o grande pilar da sociedade brasileira, e eu concordo em boa parte, tendo em vista que a família brasileira está extremamente desestruturada, resultando na sociedade que temos hoje. Falta de esperança, falta de educação, falta de valores, encaramos essa sociedade corrompida diariamente, podendo até ser rotulados como pessimistas (esse rótulo cabendo mais a mim, obviamente).
Em seguida começamos a falar sobre ditadura. Ele viveu grande parte deste período em sua mocidade, e eu vejo que o mesmo já passou por diversas casas de espírito, tendo inicialmente uma educação marxista, sendo na sua pré-adolescência a fim da ditadura, e na sua mocidade contra, se tornando hippie tempos depois, etc. E é isso que desperta um maior interesse da minha parte, conversar com um cara que tem conhecimento de todos os lados da moeda, argumentando, sem sobrepor sua ideia sobre a minha, mas, enriquecendo a minha ideia, e se permitindo ter sua ideia enriquecida, a fim de construirmos assim um argumento sólido que visa a melhor solução para o problema, não exatamente a solução, mas a melhor definição.
O mais interessante foi, ele já tendo ciência de que eu sou muito interessado por história e tudo o mais, deixei claro que sou muito nostálgico também, e ele prontamente me chamou de saudosista, após eu dizer que gostaria de morar em na AV. Atlântica (Rio de Janeiro), e depois de rir muito, o filme "Meia Noite em Paris" foi citado, eu nunca assisti, mas segundo o meu caro fala sobre um homem que volta ao passado, e a mensagem do filme é a de sempre querermos retroceder à nossa época, e isso me deixou mais pensativo ainda. Fato é, não estou feliz com a minha época, mas eu nunca estaria? Nem em um passado levemente próximo à minha época? Nem em um mais distante?
Pois é, nem tudo foi esclarecido.
Um dos fatos que mais me deixou feliz dentre tudo isso foi a aceitação dos argumentos, tanto de uma parte como d´outra, uma troca justa de argumentos, objetivando chegar a uma melhor ideia do que a primeira. E a primeira coisa que percebi é, é extremante raro você conversar com alguém mais experiente, ou mais vivido do que você e que aceite as suas ideias sem nenhum tipo de sobreposição.
Voltando à conversa, voltando ao Brasil, ele cita a ideia de que, o maior problema do Brasil, além da família é a corrupção, a sonegação e a impunidade, e nisso concordo novamente.
Em seguida exponho: "Deprimente, um país como o nosso, que tem uma herança cultural tão rica, estar neste esgoto que nos encontramos, um esgoto massivo, cultural, educacional, banal".
E ele concorda com isso, contra-argumentando que quem pensava foi calado anteriormente, e que o que temos agora é um resquício da pior parte de eventos passados, por fim, chegando à conclusão que a maior parte do que não prestava foi mantido, e estamos vivendo uma grande consequência daquilo que já passou, e nada positiva por sinal.
Diante tudo isso, verifico que a fusão de assuntos é cada vez maior, e entramos no assunto da saída do indivíduo para o mundo, e nesta questão ele mesmo cita que tivemos muito em comum neste aspecto uma vez que nossas famílias se pareciam consideravelmente na criação de um filho.
Dificuldades semelhantes, situações semelhantes, o preconceito inicial, a própria dificuldade interrelacional, e neste momento começamos a pensar como um, enriquecendo cada vez mais os argumentos um do outro, e até completando os mesmos.
Palavras, frases, pensamentos, tudo o que de mais indizível foi dito, sem volta nem arrependimento.
Frustrações, predisposições, desejos. Vimos claramente que não vivemos do jeito que queremos, não fazemos profissionalmente o que queremos, mas uma coisa que admiro nele é a felicidade e a coragem com que ele encara a vida. Ele já tem uma certa idade, e isso não o abala, ele sempre foi muito ativo, e contra todos os rótulos ele disse: "Eu não tenho idade, eu tenho o hoje".
E claro, não faltou boas risadas também, mesmo contra todo o rótulo, evitamos qualquer tipo de idealizações, colocando o preconceito e a convicção como as maiores ignorâncias humanas, porém, neste momento passa um carro com o som alto tocando funk e eu digo "mas isso é uma merda!", e ele concorda automaticamente, hahaha.
Neste momento eu tive, não que eu já não tenha tido antes, a visão do claro regresso da arte. O que este estilo musical (funk BRASILEIRO) vem preencher?
Antigamente, o enxerto da alma era muito mais concentrado do que é hoje, atualmente as pessoas se nutrem do que tem de mais vazio. E nisso concordamos mais uma vez. A decadência da arte, não que a arte já definida tenha sido afetada, mas a atual praticamente não existe para a massa, afinal, para a massa só é divulgado o que vem a alienar, não é? E nessa ele cita: "Não sou a favor da separação, sou a favor da arte, ele não tem fronteiras, ela une a todos". De acordo...rs
Sobre música, ahhh a música, a verdadeira música!
Chico, Caetano, Jobim, até Secos e Molhados! Tudo isso foi conversado, e deliberadamente analisado, tropicalismo, bossa nova!
Livros! Fizemos piadas sobre o Memórias Póstumas de Brás Cubas, entre outros.
Chegamos ao ponto da vida vivida em si. Há muito mais p´ra viver do que estar vivo, eu digo. E ele é prova clara disso, diante adversidades ou não, dizendo que o mais importante, e mais difícil também é sempre manter-se feliz, inabalável. Simples no papel, ou no teu monitor, mas na vida é difícil, muito difícil. Ele diz não dever satisfações p´ra ninguém, nem para mim! Neste momento a paranoia volta a me afetar, e pela primeira vez na minha vida, eu consigo abrir o jogo e dizer que isso me afetou,
E sobre um som do Secos e Molhados digerimos mais ideias, acalmados desta vez pelo belo som, que quase encerrava esta quase transcendental conversa.
O mais incrível disso tudo é ver de onde começamos e para onde fomos. Analisar detalhadamente o caminho que percorremos dentro de um escritório. Demos 8 voltas na Terra! E não, não pretendemos parar.
E neste momento, eu agradeço pela grande conversa, e finalizo com uma citação do nosso herói:
"A partir do momento que você desconstrói seus conceitos...você é livre."
Créditos: Ismael Braga
viajei na escrita e narração, pena que perdi a conversa. Seriam ótimas horas!
ResponderExcluirAh Rafinha, vc é uma figura rara! Como eu te disse uma alma velha, um navegante que é capaz de aportar na filosofia, na história, na sociologia e sobretudo no coração e extrair de lá o auto conhecimento. Templo de Delphos: "Homem conhece a ti mesmo e conhecerás os Deuses..."
ResponderExcluirÓtimo texto!
excelente texto meu caro!
ResponderExcluire você tem um sábio mentor.