Mas, vamos lá...
"- Olha, nem andar de escada rolante ele sabe"- Disse Maria para mim, com aquelas bochechas gorduchinhas de criança.
Muitos sorrisos, sorrisos sinceros, de quem vislumbrara grandes obras, ao lado de pessoas que, realmente, valia a pena estar.
"- Rafael!!!" - Maria gritou...
Sem sucesso...
Até que, chegando mais perto, a mesma grita, mais alto...
"-Rafael!!!!!"...
Assustado, eu e Karina olhamos para trás...
Ela nos seguiu, ela nos chamou!
A garota tem uma puta inteligência em pleno 8 anos de idade, e diz que tudo é uma 'graça'...
Uma graça mesmo! rs
Voltando do fim, sentados, fatigados, estrupiados, perto da administração, buscávamos água, primeiro Maria, depois Karina, por fim, eu...o mais atrapalhado, diga-se de passagem...
Tomei um Dorflex, sempre sinto dores de cabeça quando piro com a galera...rs
Andando de volta, de trás para frente, ou de frente para trás, tanto faz, sei que, a cada mausoléu, cada enigma, cada vida morta, cada folha em que pisávamos, tudo fazia sentido, tudo se encaixava, a harmonia aperfeiçoava-se mais e mais, assim como Just Like Heaven, do The Cure, música cuja qual saúda meus ouvidos neste instante.
"-Aqui está Tarsila do Amaral"- proclamou um gordinho, enquanto procurávamos por esta grande pintora. O gordinho é apenas um coadjuvante nessa história, mas devemos convir que foi importante e até engraçado quando foi questionado sobre a localização do túmulo...
Eu disse: "-Ela está ali?!" -
O gordinho respondeu: "-Bem, ela não, mas o corpo está...!"
E claro, eu sorri, ironicamente e citei: "ainda bem, né? Veja gente ele fez uma grande descoberta!"
Foi por aí..
Daí, a frustração..
Eu, Karina, Tatiane e Maria, ansiosos por este momento, nos deparamos com um túmulo EXTREMAMENTE discreto cujo qual, estava cheio de nomes, e no 2º nome de cima para baixo à esquerda escrito "Tarsila do Amaral (Pintora)"...
Nós 4, perplexos, e fatigados, olhamo-nos por volta de 5 minutos, desacreditados, murmurando "- Porra, é essa a homenagem que ganha uma grande pintora como esta??!"
Mas, enfim...depois de muita procura, foi o que achamos, ao menos, o nosso orgulho estava lá em cima.
Com isso, chegando ao fim da nossa grande tarde, avistamos novamente o grande mausoléu do Conde Alexandre Siciliano, só que dessa vez tínhamos mais duas excelente companhias p´ra testemunhar também este momento.
Assim, conforme andávamos, Tatiane, uma mulher incrível, inteligentíssima, que eu não entendia como sabia tudo aquilo, fazia citações incríveis sobre a Marquesa de Santos, cuja qual, só foi considerada Marquesa, pois este título lhe foi cedido por D. Pedro I, cujo qual era amante da Marquesa, que por sinal, começara como cortesã. Segundo Tatiane, a burguesia, mas principalmente as mulheres que faziam parte desta última, ficavam loucas de raiva pelo fato de que, uma mera cortesã, uma acompanhante apenas, ganhara o título de Marquesa de D. Pedro I, e tinha um grande poder. Tatiane também cita mais fatos importantes sobre Domitila (Marquesa de Santos), cuja qual foi responsável pela inauguração do Cemitério da Consolação. Enfim, nada mais justo do que visitar o túmulo desta importante figura, não?
Tatiane nos informa também sobre Moacir de Toledo Piza, que passando por cima, a história nos informa ter sido um advogado da turma de 1915 da Faculdade de Direito. Moacir que, por sinal, matou-se com um tiro, numa noite, dentro de um táxi, após matar Nenê Romano, mulher com a qual o mesmo teve um caso de 2 anos.
Regredindo, temos ainda o momento em que nos deparamos com Tatiane e Maria. Eu e Karina, entusiasmadíssimos pelo o que acabara de acontecer, que a frente vocês verão, vemos, mãe e filha, andando, e uma garotinha, de 8 anos mais ou menos, bochechudinha, feliz da vida em questão daquelas obras de artes, e questionando cada vez mais: "-Mãe, este é de quem?!", "- Mãe, olha aquele, olha este!"...
Uma verdadeira graça, assim como ela dizia...
E nós...Karina e eu, ficamos ali, estáticos, olhando aquele momento de raridade juvenil, um verdadeiro marco, que é desprezado por esta sociedade de babacas, sendo valorizado tão incrivelmente por uma garota de 8 anos...
Nada mais justo do que socializarmos, não?!
Assim, regredimos, ou, continuamos..rs, avistando o grande mausoléu da família Conde Matarazzo, o maior mausoléu da América Latina, e antes disso encontramos o de Campos Salles, mais discreto obviamente, que o dos Matarazzo, porém não deixando nada a desejar, mas é nele que sentamos um pouco, tiramos uma foto, e fumamos alguns cigarros. Karina e eu, quando localizamos o mausoléu dos Matarazzo ficamos perplexos, segundo Karina, eu até ajoelhei...mas enfim, nenhuma palavra que eu possa postar aqui vai definir a minha sensação quando avistei aquele mausoléu pela primeira vez após ter conhecimento. Já havia visto em 2008, porém o conhecimento abre portas, o conhecimento abre horizontes, o conhecimento abre a mente! Com certeza, Karina não consegue definir também como se sentiu, fomos do frio ao calor, do tudo ao nada, do nada ao tudo, do fogo ao gelo em 5 minutos, viajamos, e sim, tiramos fotos (me processem)...
Regredindo, Karina e eu temos o nosso segundo momento mais intenso, com relação ao diálogo, juntos, e sentados no fundo do cemitério, conversamos sobre leitura, filmes, e principalmente religião. Sobre Jesus Cristo, sobre ateus, sobre cristãos, sobre ateus mal-intencionados, sobre cristãos mal-intencionados, como a vida fácil para alguns pode ser o maio problema, e assim foi, o vinho já estava quase no fim, porém os cigarros não, e assim conversávamos cada vez mais intensamente, e geralmente os nossos diálogos são de veras, de sair faíscas.
Com o vinho mais cheio, voltamos ao quase ponto de partida, onde estávamos ainda assim deslumbrados com toda a beleza que aquele cemitério nos fornecera, conversando sobre protestantismo, catolicismo, e a diferença de túmulos daquela época, conversando sobre os belos bustos que estavam à vista, conversando sobre tudo e todos, sobre nada e ninguém, só pelo prazer de um ouvir a voz do outro ao meio de tanta beleza, bebendo aquele vinho, que na ordem do texto vai ficando mais cheio conforme se aproxima do final, ou podemos dizer princípio.
Com o vinho cheio, estamos praticamente no início de nossa jornada, encostados em um mausoléu, que de veras, devem ser de japoneses. Acabamos de abrir o vinho, e já fumamos alguns cigarros, a nossa conversa tem seu real ápice. Conversamos sobre tudo praticamente, desde futilidades até grandes figuras públicas. Sobre a crença do povo e a descrença do mesmo, hipocrisia dos mesmos, burrice e afins, algo que de veras tocou nossa alma, não só por esses pontos negativos, é que conseguimos ter grandes ideias, e até soluções para certos problemas, afinal não falamos apenas de problemas, e sim do tesão que dá você escrever, você ler algo que gosta, você escutar algo que te arrepia, enfim. E temos convicção de que, a harmonia perfeita, no clima quase perfeita, no lugar certo, foi que nos deu a plena aptidão para que pudéssemos discutir tudo isso da forma que foi, posso colocar aqui qualquer palavra, porém, novamente, não há definição para aquele momento, logo todos os grandes e profundos textos, são incompletos, devido a ausência de palavras cujas quais, possamos definir estes grandes momentos.
Por fim, ou no início, se podemos colocar assim, chegamos ao Cemitério da Consolação. Eu, cheio de esperanças e lembranças, afinal, há 3 anos e meio não ia para lá, e na ocasião que fui, foi de veras muito feliz, e a Karina, que nunca tinha ido, curiosa, e inicialmente, podemos dizer, maravilhada.
Chegamos com vinho, cigarros, e folhetos, que, por sinal, a Karina zoava, dizendo que eram Flyers de balada, e eu complementei a zoeira citando que os escultores dos túmulos eram os divulgadores (que nojo dessa raça!!). E assim, fomos à administração, onde carimbaram esses folhetos, devido a questão da faculdade e horas complementares, e assim começa, ou termina um dos passeios mais incríveis que já dei a um dos lugares mais incríveis que existem.
"A verdade que tentei demonstrar não encontrará fácil aceitação. Se assim não fosse, de há muito estaria em vigor e nunca teria sido encoberta. Mas ela encontrará amigos tais, que lutarão por ela, sofrerão por ela, e se necessário, morrerão por ela. - Tal o poder da verdade".
Henry George, homenagem da cruzada anti-inflacionária brasileira. 28/02/1983
Créditos: Karina Jordison, Tatiane, Maria e Popó.